segunda-feira, 22 de março de 2010

Hard Stuff (parte 1)

Ela sabia que a criança, mais tarde ou mais cedo, iria necessitar da sua insubstituível presença. Ainda assim, isso não a demovia, o melhor, o melhor do seu ponto de vista, era deixa-lo, assim, desprovido de protecção ou cuidados. Não haveria de querer saber daquela criança, não haveria isso tirar-lhe o sono, nem perturba-la, sequer.
E assim fez, no caminho de uma rua estreita e com os pés já feridos e gelados, debaixo da incessável chuva e segurando por entre os dois braços aquele ser indefeso, procurava uma porta que aparentasse boa fé, espreitando ainda pelas janelas com esperança de encontrar uma família calorosa.
Os poucos mantimentos que possuía sobre si e o seu filho estavam sujos e gastos pelas dificuldades da rua, e já pouco esses aguentavam contra tal temporal que se abatera sobre a cidade, sendo que isso não era impedimento para continuar, assim o fez.
Deparou-se com a porta nº432 de uma das ruas, e o tempo havia acalmado já. O jardim era meticulosamente trabalhado, e tinha dois arbustos com a forma de labaredas, a olho nu, não se notava nenhuma imperfeição. O azulejo frio e molhado levava à porta de uma casa preta, alta e majestosa como nunca tinha visto antes, no andar de cima, uma varanda que cobria duas janelas de vidro fumado, e as do andar de baixo tinham as persianas cerradas, que a impediam de ver o que quer que fosse. Cá de fora conseguiam-se ouvir risos de crianças e uma clara agitação, isso tranquilizou a sua alma. Talvez tivesse encontrado o sitio certo.
Apressou-se a chegar à porta, colocando a criança no chão, e em sua volta todos os cobertores que tinha, não sabia quanto tempo demoraria a ser encontrada e não queria que, pelo menos, passasse frio. A tranquilidade daquele bebé era perturbadora, nunca tivera um nos braços e deixar o seu ali parecia insuportavelmente doloroso, mas também já estava consciente de que fácil não seria. Aquela criança era o fruto de uma ferida.
Com um beijo caloroso na testa e uma lágrima que não conseguiu impedir, assim o deixou, esperando agora que tudo corresse "bem",e no momento em que saiu do terreno, ouviu a porta de casa abrir, e depois de um esganiçado mas leve grito da mulher, fez-se um absoluto silêncio, perante isto, começou a correr, receosa de que alguém a visse.
Parou dois quarteirões à frente, e a chuva regressou, acompanhada de trovoada. Sentou-se na berma da estrada deixando todas as suas forças correr com a água da chuva, e por fim rendeu-se às lágrimas e à dor que se apoderaram dela, sem dó nem piedade, como um castigo. O rosto macio e delicado daquele bebé, o calor do corpinho pequeno junto do seu, era algo que a acompanharia para sempre. (...)


___________________


Hoje foi isto, pode ser que continue..

2 comentários: